(Português) «O Brasil sofre muito com a ineficiência do setor de saúde. Estamos no terceiro mundo»
(Português) Para o executivo que comanda a terceira maior farmacêutica do País, a indústria tem o papel de facilitar o acesso a remédios, mesmo com o aumento dos custos gerado pela pandemia.
- 19 de February de 2021
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(Português) São nas situações de extrema necessidade de atendimento, como a provocada pela pandemia da Covid-19, que é possível detectar a ineficiência do setor de saúde no País. Principalmente quando a lupa mira cidades distantes das principais metrópoles. É aí que se enxerga um cenário de terceiro mundo. A análise é de João Adibe Marques, presidente do Grupo Cimed e um dos maiores especialistas da indústria farmacêutica no Brasil.
O outro lado da ponta, na visão do executivo, está justamente na qualidade do sistema farmacêutico brasileiro.
Hoje, a Cimed ocupa a terceira posição entre as farmacêuticas do País. Há uma década, ocupava a 36ª posição. Reduzir custos e aumentar a eficiência ajudaram a companhia a fechar 2020 com crescimento de 20% e faturamento de R$ 2 bilhões. A meta agora é dobrar a receita e alcançar até 2025. Para isso é necessário investimento. O grupo planeja aportar R$ 500 milhões no período de 2019 a 2023 para a construção de uma nova fábrica, em Pouso Alegre (MG), e dobrar de tamanho em relação
à planta atual. Até agora, foram investidos R$ 200 milhões. Em setembro, a companhia entrega a planta de comprimidos, que garantirá o salto de de produção das atuais 40 milhões para 60 milhões de unidades.
DINHEIRO — Como foi para a indústria farmacêutica lidar com a necessidade de garantir fornecimento de remédios à população durante a pandemia?
JOÃO ADIBE MARQUES — A indústria farmacêutica trabalha em ciclos. No verão, falamos sobre o inverno, e vice-versa. A pandemia chegou para a gente muito antes do que chegou para os brasileiros. Os fabricantes de matéria-prima estavam na região de Wuhan, onde surgiu o primeiro foco de coronavírus. Detectamos que alguns produtos para sistema respiratório poderiam ter alta demanda.
O que foi feito?
A primeira providência antes da pandemia foi antecipar embarques de insumos da China. Não demos férias coletivas no início de 2020 e aceleramos nossa capacidade produtiva para poder atender a demanda, caso viesse. Fizemos estoque de produtos acabados para essa indicação. Quando a doença chegou ao Brasil, a gente começou a sentir que as reações eram diferentes.
Qual o grande aprendizado deste período?
Quando começou a quarentena, o consumo do que a gente achou que iria explodir caiu. O distanciamento mudou o hábito das pessoas. Somos o maior fabricante de vitaminas do Brasil hoje, tanto em faturamento como em unidades. A cultura do Brasil é tomar vitamina quando fica doente. E, na verdade, ela serve para não ficar doente. A gente teve de mudar e bater muito forte nessa questão da prevenção. E os brasileiros começaram a entender o que era vitamina.
Como isso refletiu em números?
O meu principal produto, o Cimegripe, que é o terceiro MIP [Medicamento Isento de Prescrição] mais vendido hoje no Brasil, atrás de Dorflex e Maxalgina, teve queda de 40% no volume, porque ninguém ficou doente. Esse é um produto de 35 milhões de unidades ao ano. A gente trocou o produto para doença para produto de prevenção. Com isso, conseguimos crescer o dobro do mercado farmacêutico.
(Português) De quanto foi esse crescimento?
Cerca de 20%. Antes da pandemia, só o Cimegripe representava 18% do meu negócio. O setor de vitamina representava 10%. Hoje, significa 20%. A companhia tem hoje 40% de participação em genéricos, 35% de MIP/OTC e 20% de vitaminas. Esse segmento dobrou de um ano para outro. Só 6% da população brasileira consome vitamina. Desse total, 3% são de vitamina C efervescente. Os outros 3% são multivitamínicos. O grande desafio é a conscientização de que vitamina é um hábito de vida.
A Cimed tomou outras medidas para conseguir alcançar o crescimento?
Temos uma completa cadeia de verticalização. Desde a parte de embalagens, em que somos autossuficientes, até a distribuição própria, a maior do Brasil, presente em todos os estados. Nos tornamos uma empresa de sistema porta a porta no varejo independente de farmácias.
Como funciona esse sistema?
O Brasil hoje tem mais de 80 mil farmácias. Dessas, 60 mil são independentes. Essas, com nosso modelo, a gente atende direto. Eu vou na farmácia do bairro e ofereço crédito próprio. Somos um crediário de farmácias. A indústria, normalmente, pega o risco do distribuidor. Como a distribuição é nossa, nós tomamos o risco. Minha inadimplência é 50% menor que a do setor farmacêutico, entre 2% e 3%. A nossa é 1,3%. Em vez de eu vender R$ 100 mil para o distribuidor vender para a farmácia, eu faço 100 pedidos de R$ 1 mil. Por não ter intermediário, a gente consegue ser a melhor opção de rentabilidade para a farmácia.
Ele era um varejista. Eu não sou um simples varejista. Tenho um modelo de verticalização que me proporciona passar essa margem tanto para a farmácia como para o consumidor final. Nosso propósito é dar acesso aos medicamentos para um país tão pobre como o Brasil. Nós vivemos em uma bolha da classe média e classe alta. Mas na hora que você separa para a grande massa, o acesso a medicamento é péssimo. Por isso, nossa proposta é garantir acessibilidade a um custo baixo. E, com essa cadeia, consigo proporcionar.
Foi isso que ajudou a crescer em 2020?
Esse modelo de verticalização começou em 1988. Há 10 anos, a Cimed era a 36ª farmacêutica. Hoje, somos a terceira. O Brasil sofre muito com a ineficiência do setor de saúde. São muitos Brasis dentro do Brasil. Estamos no terceiro mundo. Por isso nosso propósito é acessibilidade.
Qual a responsabilidade do governo nessa dificuldade de acesso?
Pelo fato de sermos um país de terceiro mundo, podemos dizer que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem avanços, dentro do que é possível esperar. E tenho orgulho do trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regula tão bem o setor.
Não há politização na Anvisa?
É um órgão totalmente técnico. É só ver como tem sido os processos para aprovação das vacinas da Covid-19.
A indústria farmacêutica brasileira é muito forte. Todo fabricante pode competir com qualquer grande empresa dos principais países do mundo. Tanto é que 65% do mercado hoje são de empresas nacionais. E a Cimed fabrica mais de 10% dos medicamentos, com 450 milhões de caixas, em um mercado de 4 bilhões. E, em doses, produzimos 7 bilhões de medicamentos. Praticamente uma dose para cada habitante do planeta. Isso mostra a nossa responsabilidade em manter esse trabalho, ainda mais em um ano de pandemia.
O preço dos insumos voltou a patamares mais razoáveis?
A gente perdeu competitividade. Nossa moeda é muita fraca e o preço de logística decolou. Competir com dólar e euro é muito difícil. Aumentou 40% esse custo.
Quanto representa a farmácia independente na receita da Cimed?
Responde por 55%. As grandes redes ficam com 40% e 5% para órgãos públicos. As independentes cresceram porque a população migrou dos grandes centros para os bairros. Se olhar a Avenida Paulista hoje, você vai ver pouca gente. O varejo independente cresceu no nosso negócio no ano passado e compensou a queda nas grandes redes. No Maranhão e Pará, por exemplo, crescemos 150%, impulsionado também pelo auxílio emergencial.
(Português) Como a empresa garante a entrega dos produtos a esses estados?
Temos 26 distribuidoras no Brasil. Hoje a empresa atinge, em média, 60 mil pontos de venda por mês. Temos 1 mil representantes autônomos que fazem 5 mil visitas ao dia. Além disso, adotamos a força de venda aos sábados. Para o autônomo, esse dia extra virou o 13º salário, já que o sábado passou a ser um dia importante de trabalho. No fim do ano, 10% da receita da companhia vem do trabalho aos sábados.
A crise provocada pela pandemia interferiu nos planos de construção da nova fábrica?
Não. Mantivemos o ritmo. Inauguramos a primeira fase no ano passado, de pesagem e armazenamento. O aumento da capacidade produtiva será a partir de setembro, com a entrega de linhas de produção. É a maior fábrica de sólidos da indústria farmacêutica no Brasil. As fases 1 e 2, que estarão concluídas nesse ano, consumiram R$ 200 milhões. As fases 3 e 4 serão de semissólidos e líquidos, em um projeto de mais dois anos e que receberão R$ 300 milhões. Por enquanto, a fábrica atual suporta o crescimento da companhia nessas áreas. Além da fábrica, investimos R$ 90 milhões em 2020, entre marketing e pesquisas e desenvolvimento. Vamos lançar 35 novos produtos em 2021.
Há planos para aumentar a participação em vendas para o poder público?
A gente só não cresceu por não ter capacidade produtiva para isso. Com a conclusão da nova fábrica, a atual passará a atender apenas órgãos públicos e hospitais. Esse processo deve começar já no ano que vem. Com isso, as receitas que virão dessa faixa passarão dos atuais 5% para 25%.
FONTE: IstoÉ Dinheiro